7 de abril de 2010

Palpite

       
       Julia é uma mulher que tem lá suas feridas, umas já fechadas, e outras bem escondidas; tem sempre um sorriso no rosto, independente de como esteja por dentro; é apaixonada por música, cinema, Vinícius de Moraes e brigadeiro; tenta não se arriscar tanto quando o assunto é coração – embora não tenha muito sucesso quando tenta evitar –; ama o sol e adora um dia de chuva, daqueles pra ficar embaixo do cobertor, vendo filme.
        Rodrigo é egoísta, talvez até demais; não é daqueles que contam a sua vida de primeira e diz “acabou”, ele é completamente o contrário; às vezes surpreende como ele é tão complicado e difícil de entender; gosta do sol, mas prefere uma boa chuva; não é lá muito preocupado com o futuro; gosta de observar os sorrisos dos olhos – diz que é o mais sincero – e adora soltar umas cantadas ao pé do ouvido só pra poder ver um sorriso envergonhado.
         Embora possa não parecer – ao menos nesse pedacinho contado de cada um -, eles são umas das pessoas mais parecidas que eu já vi... A maior diferença é que Rodrigo tem uma namorada, e o maior problema foi o destino tê-los apresentados na hora errada.
 Ou não, vai ver que era pra ser assim mesmo: um amor incomum, que dispensa explicações; que só de olhar, você já entende. É exatamente como Rodrigo definiu: esse amor deles é uma espécie de amor-amizade.
        Bem, eles se conheceram num bar, e Julia nunca pensou que isso viesse dar em algum lugar, muito menos nessa amizade que eles têm hoje... Afinal, a primeira coisa que Rodrigo disse para ela foi logo uma reprovação. Ele a viu pedindo cachaça, olhou estranhamente, e deve ter pensado algo como “porque diabos uma mulher ia pedir cachaça? Ela parece tão frágil! Deve estar é querendo afogar as mágoas na cana mesmo”, quando falou:
        - Cachaça? Mas que coisa feia, rapaz!
        Julia o olhou com uma cara um tanto quanto desprezível, em relação ao comentário dele, mas logo abriu um sorriso e soltou sem nem pensar:
        - Mas o que é que tem de feio? Nunca visse uma mulher beber cachaça não, foi? Hahahaha.
        - Claro que já, mas é que você parece tão...
        - Frágil? Eu sabia que tu tinha pensado alguma coisa desse tipo...
        - Bem, era o que eu ia dizer... Mas é que não sei explicar, eu acho que não combina muito bem contigo. Além do mais que cerveja é bem melhor, não acha não?
        - Hahahaha, eu não gosto muito de cerveja não, ainda tô aprendendo a gostar. Mas e aí, me conta o que tu pensou quando me viu pedindo cachaça?
        E daí em diante, começaram a conversar sem nem saber o quão especial um seria para o outro.
        Aos poucos, foram se descobrindo... Era como se em cada dia, Rodrigo contasse um capítulo de sua vida – o engraçado é que ele ainda não acabou o seu “livro” até hoje – e Julia contasse um pedacinho do que ela era. Descobriram gostos iguais para tudo: pra música, pra sentimento, pra escrever, pra olhos e pra sorrisos. O tempo passava rápido para eles, quando na verdade passava tão lento que só fazia uns três meses que eles se conheciam... E mesmo assim, já tinham um laço tão forte como alguém que se conhece há anos.
        Num dia, sem nem ter porquê, discutiram que sobre o destino. Disseram que ele havia se atrasado, que havia feito as coisas numa ordem inversa, que eles deviam ter se conhecido antes, só pra ter mais tempo. Mudaram de assunto. Falaram sobre alguns textos, uns filmes e sobre o clima. Caíram no assunto “nós”. Discordaram e concordaram, ficaram sem resposta e sem saber o que dizer. Por fim, chegaram numa conclusão: que deixasse a vida levar, porque o que tivesse de acontecer, iria acontecer de todo jeito.
        Ficaram por quase uma semana sem se falar – o que era muito para eles -, até que Rodrigo ligou pra Julia e cantou:
        - “Tô com saudade de você, debaixo do meu cobertor. De te arrancar suspiros...”
        - “... Fazer amor.” Que música mais indecente pra cantar pra mim, num acha não? Hahahaha.
        - Hahahahaha, acho não. Tô com saudade de você... Vamos sair? Agora?
        - Agora? Às onze e meia da noite?
        - É, agora! Bora pra aquele bar, onde a gente se conheceu?
        - Tá bom... Vou só trocar de roupa e a gente se encontra lá em quinze minutos, tá?
        - Tá certo, não demora! 
        - Relaxa. Beijo.
        Julia desligou o telefone e ficou só ouvindo o barulho que seu coração fazia... Ou era amor, ou era saudade. Ela só não sabia bem do que se tratava.
        Quando Julia desligou, Rodrigo correu pro banho. Não conseguia parar de pensar no tamanho da saudade que tava sentindo. Saudade do sorriso dela... Das conversas, do carinho. Saudade deles dois.
        Julia chegou, e cinco minutos depois, Rodrigo também. Sentaram-se, ele pediu uma cerveja e falou:
        - Cachaça, senhorita?
        - Hahahaha, não, engraçadinho. Para você que não sabe, agora eu tomo cerveja – e o olhou desprezando o comentário dele de novo.
        Parecia que estava tudo igual. O mesmo lugar, o sentimento, eles, a amizade... Tudo estava como era pra ser. Ficaram por lá até quase uma hora da manhã, e nesse tempo, conversaram muito; tanto, que não sei como eles ainda tinham do que falar.
        Foram juntos até o carro, estava chovendo. Antes que Julia entrasse em seu carro, Rodrigo a puxou e sussurrou no ouvido dela:
        - Me diz como é que você conseguiu me viciar assim, desse jeito, me diz?
        - Só te digo uma coisa. Ou melhor, duas. Uma: nem venha com isso agora... Pare. E outra: eu tenho um palpite. Sobre a gente. 
        - Como é que eu posso parar com você sorrindo pra mim desse jeito e com seus olhos âmbar me olhando assim?
        - São verdes, já disse.
        - Pra quê tu insiste que são verdes? Âmbar é muito mais bonito.
        - Então tá bom, eu deixo que eles sejam âmbar só pra tu.
        - Hahahaha, obrigado. Me diz aí, qual é o teu palpite?
        - “Eu sinto a falta de você, me sinto só... E aí, será que você volta? Tudo à minha volta é triste... E aí, o amor pode acontecer. De novo, pra você, palpite.” Era esse.
        Rodrigo puxou-a pra mais perto e disse, perto da boca dela:
        - “Tô com saudade de você, do nosso banho de chuva, do calor na minha pele, da língua na tua”. E esse era o meu pra você.
        Beijou-a.
        Na cabeça de Julia vinham milhares de coisas para serem gritadas, mas ela só conseguia mesmo era pensar que acabava de descobrir se era amor ou se era saudade. E não era nenhum dos dois.
        Rodrigo não conseguia pensar em mais nada, só na chuva fria e o beijo que o esquentava por dentro, e na vontade de ter Julia sempre por perto.
        Soltaram-se. Julia o olhou com os olhos cheios da confusão que brotara na sua cabeça, mas com a certeza que vinha de dentro do seu coração e disse:
        - Como é que tu conseguiu roubar um pedaço do meu coração assim, tão facilmente?
        - Eu sempre fui um bom ladrão.
        - Ridículo.
        O silêncio fez-se presente por uns dois minutos, e eles sabiam o que havia acontecido ali. Além de ficarem ensopados de água, eles de descobriram o que sentiam. Julia sabia que precisava dele, e Rodrigo sabia que precisava dela; eles eram como um vício, um para o outro.  
        Rodrigo beijou-a na testa, e já ia embora quando Julia disse:
        - Entenda só uma coisa: Eu nunca vou deixá-lo ir.


        O resto ficou subentendido, como um parênteses em aberto na cabeça de cada um.