Quando amei Maria não tive vontade de andar. Queria
mais era ficar ali, deitado, nem que fosse só parado, olhando Maria. Pensava no
que ela talvez estivesse pensando, olhava nos seus olhos e tentava achar
naquele mel todo um sinal de desespero, algo errado que fosse, uma dúvida
sequer, mas eu não achava nada - e ai de mim se achasse, ficar sem Maria, não
conseguia imaginar -, acabava gostando mais e mais daquele poço de doce que
eram os seus olhos, quietos e curiosos, típicos de uma criança trelosa, de uma
Maria contínua, a que ainda possuía o mesmo coração besta desde os cinco anos
de idade. Coração rápido, voava no peito e toda vez que eu deitava minha cabeça
em seu colo, quase ouvia o coração dela dizer “tá errado, Victor, tá errado”,
mas eu não ouvia nem ao menos um sussurro e continuava ali, atento, esperando um
ruído qualquer (nunca chegava), até que eu larguei a preocupação e ficava só pensando
naquilo que talvez Maria pensasse, mais uma vez – era um ciclo vicioso isso de
tentar te adivinhar.
E pensava
tanto, que minha cabeça parecia ser feita só pra pensar você, seus olhos, seu
cabelo de cor indecisa, seu riso de canto de boca, o vestido que você odiava e
eu amava quando você colocava só porque eu pedia. Eu rodava rodava rodava
rodava e você sempre no mesmo lugar, e eu já não achava mais que tinha algo
errado, tinha perdido essa mania de procurar defeito, acostumei com aquele
ditado de que “quem procura, acha”, e resolvi que não queria achar era nada,
queria mesmo era continuar assim, do jeito que tava, simples, amor escancarado,
amava Maria, amava tanto e exposto, e calado, mas Maria tanto sabia que eu a
amava, que eu não precisava dizer nada, Maria sabia, sabia tanto, amava muito,
Maria Maria.
Eu repetia todos os dias na cabeça a música que
Maria tinha me mostrado, e quando ela não estava por perto, eu até me permitia
cantar; cantava a parte que fazia “de noite na cama/ eu fico pensando/ se você
me ama/ e quando”, e cantando eu pensava se você me amava, quando, que horas,
onde, que lugar, me diz por favor, mas ninguém respondia. E aí eu pensava em
quando te amava e via que era quase sempre – perto, longe, quente, frio, até
mesmo morno eu te amava e olhe que eu nunca gostei de meios termos, mas Maria
eu amava de todo e qualquer jeito, nunca amei mais ninguém igual quando amei
Maria.
Maria,
Maria, Maria, Maria, Maria. Eu te repetia tanto – dentro, fora: tantas repetições.
Quando amei Maria não quis mais nada, Maria era casa, cama, comida, roupa
lavada, vida, canto, melodia, vento, céu, mar, domingo no parque, Maria era
tudo, Maria era eu, e eu amava Maria “porque era ela, porque era eu”, de um
jeito incerto e exato, que nem Chico dissera num dos dias de 2006, explicando sua
música de mesmo nome.
Amei
tanto Maria, tanto desses amores in – infinitos, imperfeitos, inimagináveis,
inesperados, amor amor amor amor amor amor amor, amor que nunca tem fim. Tanta
repetição, mas era isso mesmo que acontecia: eu me repetia e não cansava, nunca
enjoei de Maria.
Mas Maria
resolveu que esse amor era muito, transbordava os corações, tanto amor não dava
certo, ainda lembro dela dizendo que nosso mal era amor demais, explodindo pelas
bordas, melando tudo ao nosso redor; e amor - ela dizia - quando é assim,
machuca, porque tem que ter muito cuidado, é tanto medo de perder aquilo que –
puft! –: perde-se.
QUANDO -
essa palavra batia na minha cabeça feito martelo faz em prego. E penso sempre:
quando amei Maria, amei. Amor lindo, doído, repetido – embora único. Quando
amei Maria, não desamei.
Amar é um
“quando” infinito, que quando se fala, subentende-se: amar não passa. Sem fim. Quando
quando quando, amor amor amor. Quando amei Maria.